Comece
Certo
Recebi
outro dia, um e-mail de uma atiradora iniciante pedindo minha
opinião sobre sua participação numa etapa
do Campeonato Brasileiro. Ela acabara de adquirir uma pistola
de ar e estava ansiosa para competir.
Minha
resposta foi: não aconselho.
Participando
agora do Campeonato Brasileiro, ela estaria cometendo o erro mais
comum da maioria dos iniciantes no Brasil: estrear em competição
sem a devida preparação teórica, técnica,
tática, física e psicológica.
A
pergunta nesse caso é muito simples: você iria ao
campeonato brasileiro de karatê, jiu-jitsu ou tae-kuon-dô,
apenas por ter comprado um quimono, mesmo que fosse o melhor quimono
do mundo? Certamente, não. Seria no mínimo doloroso.
Ocorre
que ir a uma competição de tiro esportivo de nível
nacional, sem o devido treinamento, para fazer um monte de disparos
errados e ficar em último lugar, aparentemente não
dói nada. Há os que acham natural que um iniciante
perca, ou seja, fique em último lugar numa competição
deste nível.
O
problema é que dessa forma, inicia-se pelo “des-trenamento”,
onde o prefixo “des” não significa ação
inversa, mas literalmente a des-truição de um possível
futuro campeão.
Participando
de um campeonato sem a devida preparação, a única
coisa que se está criando e fixando é o hábito
de perder, um trauma psicológico muito mais danoso do que
qualquer trauma físico que um atleta possa ter.
Cabe
ressaltar, que o mesmo pode ocorrer com atiradores mais experientes,
e não só com os iniciantes. Levar um atirador que
está despontando no cenário nacional para uma Copa
Mundial, sem antes proporcionar a devida adaptação
às competições internacionais, participando
em provas de menor importância (uma competição
internacional do seu continente, por exemplo), certamente irá
causar o mesmo dano.
Acredito
que todos conhecem a história do atirador húngaro
Karoly Takacs. Bicampeão olímpico de tiro rápido;
venceu a prova nos Jogos Olímpicos de Londres (1948), perdeu
a mão direita em um acidente em 1949, e tornou a vencer
em 1952, nos Jogos Olímpicos de Helsinki, atirando com
a mão esquerda.
O
extraordinário feito de Takacs só foi possível
porque o mais importante no nosso esporte é a preparação
psicológica do atleta. Ele havia perdido a sua mão
direita, mas não havia perdido a confiança na sua
técnica, nem sua auto-estima, mantendo intacta a sua crença
na vitória.
Mais
do que a preparação técnica, tática
e física, no tiro esportivo, a psicológica define
quem ganha e quem perde, e o seu correto treinamento é
responsável pela formação do caráter
competitivo do atirador, desde o seu primeiro dia nesse esporte.
Formar
um campeão requer mais do que comprar uma arma e ter um
estande e munição para atirar. Na realidade, sua
formação tem início nos primeiros anos de
vida, ou seja, nos primeiros movimentos, quando inicia o aprendizado
e desenvolvimento das suas habilidades motoras. Desde então,
a influência externa é decisiva na modelagem do seu
comportamento futuro diante dos obstáculos que terá
que enfrentar, tanto no esporte como na vida.
Diariamente,
jovens procuram os clubes de tiro do país impulsionados
pelos mais diversos motivos, e são recebidos com entusiasmo
pelos diretores e atiradores. Porém, muito poucos recebem
a correta orientação, simplesmente pela falta de
preparo dos que lhes dão as boas vindas.
Como
vimos em artigos anteriores, o aprendizado e o treinamento da
ação motora do disparo só terão êxito
se elaborados e executados como um processo pedagógico,
partindo do simples para o complexo, gerando e fixando hábitos
corretos que permitirão o desenvolvimento progressivo do
atleta.
Antes
de o iniciante começar a atirar, ele deve conhecer: o funcionamento
da arma e os princípios teóricos da balística
interna e externa, os fundamentos do processo de aprendizagem
e treinamento das habilidades motoras, os exercícios iniciais
de cada elemento do tiro esportivo, para só então
iniciar o aprendizado e treinamento do processo de disparo.
O
programa de treinamento inicia-se sempre pela preparação
física geral, dando ao atirador condições
de sustentar a arma com a estabilidade mínima necessária,
e adequando o seu organismo para suportar o treinamento físico
especial, que ocupará grande parte da sua atividade de
treinamento como atleta do tiro esportivo.
Durante
esse processo pedagógico, a preparação psicológica
também é levada a cabo de forma progressiva, incluindo
no programa de treinamento, exercícios que visam o desenvolvimento
das habilidades psicológicas necessárias ao atleta
do tiro esportivo, consolidando no dia a dia o caráter
do futuro campeão.
Em
paralelo, deve-se iniciar uma dieta alimentar condizente com a
nova condição de atleta de um esporte olímpico.
Se tiver algum hábito nocivo, como beber ou fumar, essa
é uma boa ocasião e uma forte razão para
abandoná-lo.
Leia
atentamente o manual da sua arma, conheça o seu funcionamento
e a função de cada parafuso, bem como suas características
técnicas. Leia o livro de regras da ISSF, principalmente
os capítulos referentes à modalidade que irá
praticar.
Fica
então a sugestão para os iniciantes: mais importante
do que dar o primeiro passo, é dá-lo na direção
correta. Não percam a oportunidade de começar certo.
Silvio
Aguiar
silvio.aguiar@gmail.com