Atitude
de Competição
Nesse
artigo, falarei sobre o treinamento e a atitude do atirador nas
semanas que antecedem competições importantes como
essas.
Sabemos
que o sucesso só é alcançado com muita dedicação.
A proporção é de 10% de inspiração
para 90% de dedicação. Para ser um campeão
não basta querer, tem que agir como se fosse, assumindo
as responsabilidades do campeão, muito tempo antes do dia
da competição. Somente a certeza do “dever
cumprido” nos proporciona a tranqüilidade necessária
para atingir o nosso melhor desempenho numa competição
de alto nível.
Porém,
ao se aproximar desse dia, alguns atiradores tendem a massacrar
os seus treinamentos, dando centenas de tiros, na ânsia
de acertar todos os detalhes técnicos do processo do disparo.
Sem dúvida, os melhores atletas são os que mais
treinam, pois só a prática possibilita desenvolver
e fixar hábitos corretos. Porém, a prática
massificada nas vésperas de uma competição,
nunca é produtiva. Nessa fase, a qualidade é muito
mais importante do que a quantidade.
No
treinamento pré-competição é fundamental
que o atirador consiga controlar a sua ansiedade, mudando o seu
foco, da técnica para a confiança. Deve desenvolver
o comportamento ideal de prova, no lugar de investir todo o seu
tempo e energia na busca incessante da perfeição
técnica.
Durante
a fase inicial do treinamento, concentramos nossa atenção
na execução do disparo tecnicamente correto, numa
atitude necessariamente crítica. Se a mantivermos durante
os treinos pré-competição, tenderemos a ver
o processo do disparo unicamente pelo prisma analítico.
Pra
que possamos desenvolver a correta atitude de competição,
é necessário compreender que existem dois tipos
de abordagem durante o treinamento: a crítica, necessária
ao desenvolvimento técnico, e a confiante, fundamental
para manter o desempenho nos momentos de pressão.
Na
abordagem crítica, o atirador analisa cada ação,
comparando-a a um modelo mental pré-estabelecido, realizando
as correções necessárias para reproduzi-lo;
na confiante, o atirador simplesmente executa a ação.
A crítica é muito consciente; a confiante permite
o tiro fluir de forma quase inconsciente.
Na abordagem crítica vivenciamos e preparamos nosso “atirador
executor”, enquanto na abordagem confiante vivenciamos nosso
“atirador competidor”. O “competidor”
é responsável por aprontar e liberar o “executor”,
sem interferir no seu trabalho nem criticar o seu desempenho.
Após prepará-lo, simplesmente o assiste em ação,
dentro do que ele foi treinado para fazer, tiro a tiro. Dessa
forma, tem autonomia apenas para interrompê-lo.
Ambas
têm lugar no treinamento do atirador. A crítica é
fundamental para melhorar a técnica e corrigir possíveis
imperfeições do processo. Mesmo os melhores atiradores
necessitam da abordagem crítica e a utilizam em boa parte
do seu treinamento. A busca da excelência exige constante
atenção na correta execução da rotina
de preparação, no processo do disparo e na manutenção
da disciplina mental. Ao detectar o menor problema, o atirador
tem que isolá-lo e repará-lo, antes que o seu resultado
se deteriore. Essa pró-atividade mantém a regularidade
e é conseqüência da abordagem crítica.
Na
abordagem crítica os atletas são muito exigentes
em relação a si próprios. O tiro pode atingir
o dez, mas se não ocorreu totalmente como planejado, repetem
o processo e permanecem insatisfeitos até que consigam
executá-lo conforme o modelo mental definido.
Porém,
a abordagem confiante é essencial na preparação
do atirador para a competição. Você não
irá confiar no seu disparo durante a competição
se não tiver aprendido a confiar nele durante os treinamentos.
O que irá ocorrer na competição não
pode ser uma novidade para o atirador.
É
muito difícil passar todo o tempo treinando com uma abordagem
crítica, e passar para a confiante, momentos antes da competição.
Nós, seres humanos, estamos sujeitos ao hábito.
Os atiradores que passam a maior parte do tempo treinando com
uma abordagem crítica adotam inconscientemente essa abordagem
no momento que ela é mais prejudicial: nas competições.
Eles começam a pensar de forma analítica e crítica,
perdendo a confiança no seu processo de disparo.
Como
a abordagem dominante é aquela que o atirador passa a maior
parte do tempo treinando, nessa fase que antecede uma competição,
faz-se necessário incrementar a abordagem confiante no
seu treinamento.
Isso
irá exigir que o atirador pare de se preocupar com detalhes
técnicos. É muito comum, após dois disparos
ruins seguidos, ver-se imediatamente tentado a avaliar e a criticar
a técnica do processo, buscando o ponto que levou ao erro
e experimentando algum tipo de mudança para corrigir o
defeito. Se não aprender a resistir a essa tentação,
seu tempo de treinamento será dedicado unicamente a “experimentos”.
Além de não assumir a abordagem confiante, nunca
realizará todo o seu potencial.
O
antídoto dos tiros ruins é a correta preparação
do “executor”. Independente do resultado do disparo,
o atirador tem que retomar o processo e voltar sua atenção
para o presente. Esse foco no “tiro presente” exige
disciplina mental e é a essência da abordagem “confiante”.
No
meu entender, devemos executar nos períodos pré-competitivos,
de 70 a 90% dos disparos com a abordagem confiante, chegando a
100% na semana anterior ao evento, buscando pensar da forma que
melhor funciona durante a competição: confiança
e decisão.
Isso
se aplica também no período de preparação
e na série de ensaio da competição. Nesse
caso, o atirador deve utilizar a abordagem confiante desde o primeiro
disparo em seco. Se em algum momento ele se permitir retornar
à abordagem crítica, tentando corrigir alguma falha
técnica, terá muita dificuldade para passar à
abordagem confiante ao iniciar a prova. Uma dica pessoal: deixe
de observar um ou dois tiros por série, evitando computar
somas durante a prova.
Finalmente
vamos falar da atitude positiva. “Atitude positiva mais
treinamento correto, igual a sucesso na competição”.
Aqui cabe esclarecer que, sucesso na competição
não significa primeiro lugar. Pode nem mesmo significar
uma medalha. Sucesso é você atingir a meta projetada
para o evento, em congruência com o seu momento técnico
atual. Um bom exemplo é estar entre os vinte melhores atiradores
da Copa Mundial.
Assim,
atitude positiva é você acreditar nas suas possibilidades
de vitória. Acreditar que você pode fazer o que se
propõe, consciente das suas limitações, mas
confiante na preparação adequada e responsável
do seu “executor”.
O
objetivo máximo de todo atirador tem que ser bater o recorde
mundial da sua prova. É para isso que ele irá trabalhar
na sua carreira como atleta. Mas hoje, na competição
que se aproxima, ele tem que estar consciente do seu real potencial,
evitando criar expectativas impossíveis de serem atingidas,
nem se contentar com um desempenho abaixo das suas possibilidades.
O ideal é sempre pensar em fazer um resultado ou obter
uma classificação ambiciosa, respeitando o seu nível
técnico atual. Seu pensamento tem que ser: fazer o melhor
que eu posso no momento, preparando e executando cada disparo
como se fosse único.
Mas
como manter a atitude correta durante toda a competição,
sem se deixar influenciar pelos bons e maus momentos da prova?
Como encarar a competição com a mesma naturalidade
de um bom treino? Como obter na competição, um desempenho
igual ou superior a dos treinos? Como superar a tensão
inicial da prova, transformando-a em motivação para
o seu melhor resultado?
Existe
uma técnica que consiste em usar a imaginação
para enganar a mente e o corpo, para que reajam a uma situação
crítica como se fosse familiar, segura e confiável.
É uma forma de “devaneio consciente dirigido”.
O
atirador simula mentalmente a experiência de atingir uma
meta: seja vencer a prova, alcançar uma pontuação
desejada, ou mesmo a quebra de um recorde. Se tiver sucesso, poderá
convencer sua mente e seu corpo de que a experiência realmente
aconteceu. Mais tarde, quando em uma competição
se aproximar da meta visualizada, não se sentirá
nervoso nem desorientado. Em vez disso, terá a sensação
de “déjá vu”; a sensação
reconfortante de que já esteve nessa situação
e se saiu muito bem!
É
importante imaginar a experiência com o maior realismo possível,
levando ao cérebro todas as mensagens sensoriais que iriam
bombardeá-lo se estivesse participando com sucesso, da
competição alvo e executando os últimos disparos
da prova com chances de conquistar sua meta ambiciosa. Precisa
sentir o cheiro da pólvora, ouvir o burburinho da platéia,
sentir a presença das câmeras de TV atrás
do seu posto, o suor na testa, o frio no estômago, ou seja,
“viver” a cena como se real fosse, com todos os seus
sensores sintonizados no acontecimento. Deve imaginar uma seqüência
de tiros ótimos, e você se mantendo firme, aceitando
o sucesso com naturalidade. Deve imaginar também que nem
todos os disparos saem perfeitos, mas mesmo assim você mantém
a confiança e a tranqüilidade, executando cada disparo
como se fosse único.
Se
a meta é fazer “x” pontos, imagine-se fazendo
“x+5”. Simule todas as experiências sensoriais.
Imagine-se calmamente preparando o último disparo, após
uma prova excelente, recusando-se a se perturbar. Mantendo a rotina
e o plano de prova até o último disparo. Cada tiro
como se fosse único.
Essa
técnica é muito útil para os atiradores que
têm dificuldade em sustentar o ritmo de competição
após uma série de bons disparos. É muito
comum, após dois ou três centros, o atirador relaxar
na preparação, gerando uma execução
inadequada, tendo quase sempre como conseqüência um
tiro ruim. Alguns são incapazes de aproveitar um bom começo
de prova para conquistar uma pontuação realmente
boa. Não se consideram capazes de fazer um bom resultado.
Quando conseguem uma seqüência de disparos bons, acreditam
inconscientemente que atingiram o seu limite. Passam a aguardar
que algo errado aconteça. Começam “conscientemente”
a pensar num tiro ruim! É o medo do sucesso. Passam a atirar
defensivamente, atrapalhando o bom desempenho do “executor”.
Quando
esse atirador educa sua mente para aceitar como possíveis
contagens realmente altas, superam esse bloqueio, mantendo-se
concentrado com mais facilidade, continuando a disparar com segurança
e fazendo tiros ainda melhores, mesmo após um bom começo
de prova.
Essa
técnica só funciona quando utilizada com convicção.
É necessário que o atirador imagine a situação
em todos os seus detalhes, da mesma forma que um escritor torna
a cena realista para o leitor, pela descrição das
experiências sensoriais dos seus personagens.
Não
é mágica e nem garantia de medalha de ouro. Porém,
se executada com confiança é a garantia da sua vitória.
Se sua preparação física e técnica
foi responsável, e seu estágio de desenvolvimento
é compatível com a aspiração do 1°
lugar, então inclua na sua visualização,
além da série de final, você no podium, ouvindo
o Hino Nacional e recebendo a medalha de ouro. Mas lembre-se,
veja esta cena não de fora, como um filme, e sim como se
tivesse assistindo de dentro da sua mente, através dos
seus olhos. E diga para você mesmo: eu posso, eu trabalhei
para isso, esse é o meu objetivo, eu consegui!
Na
semana que antecede uma competição importante, experimente
toda noite ao se deitar, fechar os olhos, relaxar, e usar essa
técnica antes de dormir. Se não ajudar, pelo menos
será melhor do que ficar andando pelo quarto se preocupando
com o que vai acontecer no dia da prova ou buscando desculpas
para um mal resultado.
Silvio
Aguiar
silvio.aguiar@gmail.com