Experiência
Cubana
Em
2005 estive em Havana - CUBA, onde participei de um curso de especialização
para treinadores de tiro esportivo. O curso, patrocinado pela
Solidariedade Olímpica e pela ODEPA (Organização
Desportiva Pan-Americana), teve como finalidade principal a capacitação
de técnicos que atuam em países da América
Latina.
Não
poderia passar por um curso como esse, sem dividir com vocês
as experiências adquiridas. Seria um egoísmo e um
contra-senso.
O
conteúdo programático das palestras e aulas práticas
abrangeu diversos aspectos da preparação teórica,
técnica, tática, física e psicológica
do atirador esportivo, e como não poderia deixar de ser,
falou-se muito sobre elaboração e execução
de planos de treinamento.
Minha
opinião quanto à importância de um plano de
treinamento já é bem conhecida da maioria, porém
se antes eu dizia que era necessária, agora posso dizer
que é imprescindível.
Excetuando
Cuba e em alguns países da antiga URRS, nos demais não
encontramos cursos universitários específicos para
formação de técnicos de tiro esportivo. Na
grande maioria dos países, os técnicos são
ex-atletas que trabalham com base em suas experiências como
competidores, com pouca ou nenhuma metodologia científica.
Não somos uma exceção, portanto.
Cuba
também é um dos poucos países que consegue
efetivamente levar a cabo um Programa Científico de Treinamento
para os seus atletas de tiro esportivo. O sistema político
e sua pequena extensão territorial contribuem para o sucesso
do programa. Porém, outros países do Continente
Europeu com características geográficas e políticas
diversas fazem o mesmo.
Durante
o período do curso, principalmente nas aulas práticas,
pude constatar a escassez de recursos materiais com que a equipe
cubana treina, chegando a ponto de não ter nenhuma munição
para o treinamento, que hoje é feito 100% em seco. Armas
e demais equipamentos de vestuário também são
antigos. Mesmo assim, atingem os atletas cubanos pontuações
e nível técnico, principalmente nas modalidades
com carabina, muito acima dos atletas dos demais países
latino-americanos, incluindo “nosotros”.
A
única razão para isso é a metodologia de
treinamento aplicada. Com base num plano quadrienal cíclico,
dividido em macrociclos (subdividido em mesociclos e microciclos)
personalizados para cada atleta, englobando as atividades diárias
de preparação teórica, física, técnica,
tática e psicológica.
Quando
digo que é a única razão, me refiro ao fato
de que nos demais aspectos, sem dúvida as nossas condições
são bem melhores.
O
Brasil vem evoluindo a cada ano na preparação dos
atletas de alto rendimento de diversos esportes, com a aplicação
de programas de treinamento elaborados com base nos modernos conceitos
do Treinamento Esportivo. Porém, especialmente no tiro
esportivo, vejo que ainda temos muito trabalho pela frente.
Não
podemos deixar de mencionar que o atleta de tiro esportivo possui
particularidades muito distintas dos demais esportes, como faixa
etária e responsabilidades familiares e profissionais.
Porém, essas particularidades são inerentes também
aos atiradores dos demais países, inclusive aos de Cuba.
Também
não podemos deixar de mencionar, que para se cumprir um
plano de treinamento tão abrangente, é necessário
que o atleta mantenha a chama da paixão pelo seu esporte
acesa, colocando-o em igualdade de importância às
demais atividades familiares e profissionais, no que tange a dedicação
e alocação de tempo.
Sem
dúvida, as principais razões porque a maioria das
pessoas não consegue atingir seus próprios objetivos,
é que elas olham para eles e dizem para si mesmas que não
têm tempo para fazer o que precisam, ou simplesmente o rotulam
de ambicioso demais para si.
Hoje,
mais do que nunca, num esporte olímpico de alto rendimento
como o tiro, a obtenção de resultados de nível
internacional só é acessível ao atleta aplicado,
que tenha realmente paixão pelo que faz e que se disponha
ao trabalho intenso exigido por um plano de treinamento.
No
nosso caso, além dos limites reais, denominados “limites
limitantes” (como não fazer 600 com uma munição
de baixa qualidade), é muito comum ouvirmos de alguns atletas:
“Não tenho isso ou aquilo”, gerando o rol particular
de “limites limitados”, ou seja, limites irreais,
criados pela sua própria mente para justificar o seu baixo
desempenho ou camuflar o seu baixo nível de interesse pelo
esporte, em suma, sua preguiça.
Nossas
aulas práticas foram auxiliadas por atiradores da equipe
nacional cubana, em especial pela duplamente Campeã Pan-Americana
em 2003, Eglis Cruz, vencedora das provas de Carabina de Ar (396
/ 497,4) e Carabina 3x20 (571 / 668,5).
Eglis
enfrentou e venceu concorrentes que certamente disparam por semana
uma quantidade de tiros reais que ela não dá por
ano. Porém, ela é capaz, por exemplo, de fazer 50
tiros em seco na posição de joelho, sem sair da
posição, ou se manter imóvel (sem se mexer)
por 45 minutos nos exercícios avançados de estática.
Isso sem dúvida custa menos que uma caixa de “TENEX”.
Ao
conhecer sua realidade, reforcei a minha opinião de que
nada impede alguém de conseguir o que realmente deseja.
Conversei
também com técnicos responsáveis pela coordenação
do treinamento de turmas de até 100 atletas das categorias
de base do sistema desportivo cubano (“Pioneril” 10
12 anos e “Estudantil” 13-14 anos), que utilizando
carabinas de ar comprimido de mira aberta (tão “horríveis”
quanto as nossas) cumprem, já nessa fase de iniciantes,
um plano de treinamento esportivo tão minucioso quanto
da equipe principal.
Uma
das minhas maiores expectativas no curso de Cuba era exatamente
isso: entender como um país que dispõe de tão
poucos recursos materiais, consegue num esporte como o tiro, alcançar
e manter resultados expressivos.
Resumo
a experiência que adquiri em Cuba numa única frase:
não há segredo, há trabalho.
Silvio
Aguiar
silvio.aguiar@gmail.com