Primeiro
Aprender, depois Treinar, Treinar, Treinar....
Como
falei no artigo anterior, a técnica de disparo é
muito simples e justamente por ser simples pouco evoluiu nos últimos
cinqüenta anos. Em 1958, Makhmoud Umarow foi campeão
mundial de pistola livre com 565 pontos, resultado que ainda hoje
o levaria a final de qualquer copa mundial. Cito a pistola livre
como exemplo, por ser a única prova que não sofreu
alteração das regras de arma e alvo, ou seja, atira-se
hoje exatamente nas mesmas condições que Umarow
atirou há 48 anos.
Já
que a técnica é simples e pouco evoluiu, qual é
o diferencial competitivo do nosso esporte? O que devemos focar
para evoluir tecnicamente? Voltamos ao ponto que considero a nossa
principal deficiência: a falta de metodologia de aprendizado
e de treinamento.
A
chave para a evolução é investir no estudo
dos processos de aprendizado e de treinamento, buscando novas
formas de organizá-lo, com foco na redução
do caminho do atleta até o seu objetivo maior.
Dessa
forma, não só possibilitamos ao atleta atingir mais
rapidamente resultados competitivos, como também garantimos
uma evolução constante do seu desempenho técnico,
evitando a tão comum estagnação de resultados.
Tenho
batido muito nessa tecla, pois ainda é um fato pouco percebido
pelos nossos atiradores. A grande maioria está sempre “aprendendo”
e com isso, nunca chega a “treinar”. Está sempre
“aprendendo” uma nova forma de fazer o dez, uma nova
forma de empunhar, uma nova posição, uma nova forma
de acionar, etc...ou seja, uma total desorganização,
sem rumo, sem metodologia, que mais cedo ou mais tarde o leva
a um beco sem saída. Passa anos atirando como um eterno
iniciante.
É
importante que o atleta entenda que ir ao estande simplesmente
para atirar, não é nem aprender nem tão pouco
treinar!
Hoje,
vamos nos concentrar nas informações que lhes ajudarão
a aprender e posteriormente a treinar.
Como
já vimos, o disparo é um processo composto de seis
elementos: posição, empunhadura, respiração,
visada, acionamento e acompanhamento. Sobrepostos e coordenados
entre si, compõem uma só ação que
deve ocorrer com a máxima economia de tempo e da melhor
forma possível.
A
eficácia depende da execução igualmente correta
de todos os elementos. É o que denominamos “efeito
corrente”. Uma corrente é tão forte quanto
o seu elo mais fraco. Assim, a execução incorreta
de um elemento do disparo neutraliza a precisão dos demais.
O domínio maior de um elemento não compensa o erro
em outro.
Também
sabemos que a mente humana é capaz de controlar conscientemente
uma pequena quantidade de informações dentre todas
que o mundo nos apresenta. Ao mesmo tempo, percebemos e reagimos
inconscientemente a milhares de outras coisas.
Conforme o estudo apresentado pelo psicólogo americano
George Miller no seu trabalho clássico “The Magic
Number Seven” (1956) - marco inicial da Ciência Cognitiva
- nossa consciência limita-se a cerca de sete (dois a mais
ou a menos) segmentos de informação; sejam do mundo
interno dos nossos pensamentos ou do mundo externo. Acima de sete,
esbarramos em dificuldades de fazer distinções absolutas
entre uma informação ou outra. Abaixo disso, as
tarefas são executadas e controladas com maior facilidade.
Nosso
inconsciente, ao contrário, abrange todos os processos
naturais do nosso organismo, tudo o que já aprendemos,
e tudo que podemos perceber, mas não o fazemos, no momento
presente. A maior parte de nossas ações (aliás,
o que fazemos de melhor) é produzida de maneira inconsciente.
Concluímos
que o inconsciente é muito mais sábio do que a mente
consciente (condicionamento), e que controlamos melhor as ações
conscientes quando reduzimos ao máximo o número
delas (concentração).
O
método de aprendizado que utilizaremos tem como base esses
princípios. Iniciando com a segmentação do
processo do disparo nos seus elementos básicos ou segmentos
de comportamento, que, depois de aprendidos de forma consciente
são unificados em segmentos cada vez maiores, buscando
torná-los habituais e inconscientes, através do
treinamento. Ou seja, transformamos os elementos do processo em
hábitos inconscientes e concomitantes para que no momento
do disparo possamos manter a nossa atenção, consciente
apenas no que realmente é importante: na visada (figura
alça/massa).
A
noção de consciente e inconsciente é, portanto,
fundamental para o nosso modelo de aprendizagem. Algo é
consciente quando está presente na nossa percepção
presente, como no caso desta frase. Algo é inconsciente
quando não está presente na percepção
atual. Os ruídos em segundo plano, provavelmente ficaram
inconscientes até o momento em que você leu esta
frase onde lhe chamo atenção a eles. Ter o controle
do que permanece no seu consciente é o que entendo por
“controle mental”.
No
Tiro Esportivo, o atingimento de altos resultados só é
possível quando o atleta é capaz de realizar todos
os disparos como processos automáticos, corretos e análogos.
Isso exige a formação e fixação de
hábitos corretamente desenvolvidos.
Aí
reside o grande problema do atirador que inicia de forma errada:
uma vez aprendido e fixado é muito difícil corrigir
um hábito, ou seja, “desaprender” para “reaprender”.
Ainda nesses casos, utilizaremos o mesmo processo, como veremos
mais tarde.
Chegamos
então ao “X” da questão: como fixar
o hábito correto de cada elemento do processo, para posteriormente
fundi-los em um único “macro-hábito”:
o Tiro Certo.
Ao
contrário do que muitos pensam, para se construir um hábito
correto não basta repetir uma ação de forma
estereotipada. A simples repetição nos leva apenas
à automatização. Para estabelecer um hábito
preciso, puro, é necessário que no seu processo
de desenvolvimento utilizemos modelos mentais claros, o mais próximo
possível da ação que se quer aprender e que
os movimentos sejam feitos de forma absolutamente correta, e não
de modo aproximado.
Nesse
ponto, podemos extrair dois fatores importantes para sucesso do
aprendizado: o primeiro é a necessidade do técnico
junto ao atleta, passando-lhe de forma clara as informações
que ele necessita para compor os modelos mentais corretos de cada
elemento; o segundo, a importância durante a seção
de aprendizado da manutenção total, pelo treinado,
da atenção na execução correta da
ação em foco.
Tanto
a utilização de modelos mentais incorretos, como
a desatenção durante o aprendizado, trará
como conseqüência a construção de hábitos
impuros, contaminados pelos erros gerados pela imperfeição
do modelo e/ou despercebidos e aceitos durante a execução
desatenta das ações.
Sem
dúvida, o Hábito Nº 1 e decisivo para a evolução
técnica do atirador é a manutenção
total da atenção no que se está aprendendo
ou treinando.
Durante
o processo de aprendizagem de uma ação, o atleta
passa por quatro estágios:
No
primeiro estágio, o candidato a atirador nada sabe e tão
pouco sabe que não sabe. É a Incompetência
Inconsciente.
Ao
receber e entender as informações sobre a ação
que irá aprender, o atirador fica apto a montar o seu modelo
mental da ação em foco. Tem a informação,
mas não consegue ainda executar corretamente a ação.
É a Incompetência Consciente. Embora esse estágio
seja desconfortável, é nele que mais aprendemos.
É imperativo manter a atenção na execução
correta de cada movimento, comparando-o constantemente ao modelo
mental construído.
Ao
executar a ação em conformidade com o seu modelo
mental, o atirador passa para o estágio da Competência
Consciente. Já aprendeu a técnica correta para executar
a ação, mas ainda não a domina totalmente.
A autocrítica é importante para o seu desenvolvimento.
A utilização de recursos como gravação
das imagens do atirador executando a ação e/ou uso
do simulador eletrônico geram um “feedback”
poderoso. O objetivo passa a ser a repetição correta
da ação. Predomina a abordagem crítica. Transformamos
a ação aprendida em um hábito puro. Nesse
estágio, termina o processo de aprendizagem e inicia o
de treinamento.
Por
fim, e esse é o objetivo do nosso empenho, chegamos à
Competência Inconsciente. A ação aprendida
compõe uma unidade de comportamento, um hábito puro.
Nossa mente consciente estabelece o objetivo ou tarefa e deixa
que a mente inconsciente cuide dele (a), liberando a atenção
para outras coisas. Pelo treinamento fixamos o hábito.
A habilidade torna-se inconsciente. O “executor” está
pronto para iniciar o processo de aprendizado do disparo e o atirador
levará muito menos tempo para atingir a Competência
Inconsciente do macro-hábito puro de disparar o Tiro Certo.
O
modelo mental de cada elemento, como fundir os elementos em uma
única ação harmônica – o Tiro
Certo - e como aprimorar os hábitos fixados e “reparar”
hábitos corrompidos será assunto dos próximos
artigos.
Silvio
Aguiar
silvio.aguiar@gmail.com