Acionamento
Prosseguindo
com os artigos sobre os elementos do disparo, falaremos agora
sobre o acionamento.
Já
devo ter dito em artigos anteriores, que o processo do disparo
segue a “lei da corrente”, ou seja, o sucesso do todo
depende igualmente da qualidade de cada elemento (posição,
empunhadura, respiração, visada, acionamento e acompanhamento).
Um elemento executado de forma errada (um elo fraco) compromete
o resultado final do processo (a corrente), mesmo que todos os
outros tenham sido executados de forma correta.
Tenho
observado que muitos técnicos e atiradores elegem o acionamento
como o grande vilão do nosso esporte, responsabilizando-o
pela maioria dos disparos incorretos.
Pessoalmente,
penso que o problema não está na dificuldade de
execução do fundamento em si, mas sim na formação
equivocada (deformação) do atirador, ou seja, na
fixação de hábitos incorretos na fase inicial
de treinamento.
Em
contra partida, também é correto afirmar que os
demais fundamentos, quando aprendidos de forma errada, são
de tratamento posterior mais fácil do que o acionamento.
Mudar hábitos desenvolvidos incorretamente de posição,
empunhadura, respiração ou de visada, ou mesmo a
rotina seqüencial do processo como um todo, é muito
mais fácil do que reparar erros no acionamento.
Para
o atleta iniciante, a sustentação da arma com a
mão livre é naturalmente um problema. Por isso,
o aprendizado inicial do acionamento é feito sempre com
a arma apoiada, permitindo-lhe manter sua estabilidade enquanto
aprende e treina de forma “confiante” o movimento
de flexão do dedo indicador.
Esse
procedimento é decisivo para o sucesso do desenvolvimento
e fixação do hábito correto do acionamento.
Mais uma vez, ressalto a importância do programa de treinamento
físico do atleta (geral e especial), que tem como objetivo
proporcionar o aumento da estabilidade da posição
e a redução da amplitude do arco de movimento, provendo
o condicionamento necessário para execução
do acionamento com a mão livre, com a mesma fluidez e confiança,
conseguida com a arma apoiada.
A
passagem do apoiado para mão livre deve ser feita de forma
gradual. É muito importante que durante a transição,
o atleta se preocupe em manter o acionamento ininterrupto, sincronizado
com os demais elementos do processo, e principalmente, aprenda
a “aceitar” o seu arco de movimento (movimento relativo
da figura alça/massa) que naturalmente será maior
do que quando disparava com a arma apoiada. No acionamento correto,
a ação de flexão uma vez iniciada não
é mais interrompida, levando-se em conta apenas o tempo
ideal de acionamento para cada modalidade.
O
aprendizado com a arma apoiada, mantido até que o atirador
alcance o arco de movimento desejado, impede a contaminação
do hábito do acionamento pelas duas “impurezas”,
que são realmente as grandes vilãs do nosso esporte:
o retardo do início do acionamento e a flexão “indecisa”
(fracionada) do dedo indicador. Ambas “impurezas”
estão diretamente ligadas à vinculação
equivocada da ação de flexão ao alinhamento
da figura alça/massa com o alvo, ou seja, à formação
da figura perfeita de visada.
Seguindo
a nossa metodologia de aprendizado, montaremos primeiro o modelo
mental do acionamento correto, para posteriormente aprendê-lo
e treiná-lo.
Parto
do princípio que todos já sabem o que é peso
do gatilho, conhecem e entendem o funcionamento do mecanismo de
ação da sua arma, ou seja, as peças que trabalham
para liberar o percussor quando a tecla do gatilho é comprimida.
Nossa
meta, o acionamento correto, só será atingida quando
a força empregada à tecla do gatilho liberar o percussor
sem provocar qualquer alteração no movimento natural
do conjunto arma/atirador, ou seja, sem alterar o alinhamento
relativo desse conjunto com o alvo.
O
percussor é liberado quando essa força atinge uma
intensidade igual ao “peso” do gatilho. Qualquer força
de intensidade acima do “peso” do gatilho acarretará
um excedente de “energia”, que contribuirá
para o desequilíbrio do conjunto arma/atirador. Dessa idéia
extraímos a primeira premissa do modelo mental: a intensidade
da força de flexão deve ser a necessária
para vencer o peso do gatilho e liberar o percussor.
Pelas
leis da mecânica, sabemos que para um corpo permanecer em
equilíbrio estático, a cada força nele aplicada
deverá haver uma força contrária, atuando
no mesmo eixo e de igual intensidade. Assim, para manter a arma
em equilíbrio estático (mesmo que relativo) é
necessário que a força exercida pelo dedo indicador
seja aplicada num eixo paralelo ao eixo do cano da arma, preferencialmente
no mesmo plano vertical, eliminando assim a ocorrência de
componentes laterais que provocariam o desalinho do conjunto arma/atirador
com o alvo. Surge então a segunda premissa: a força
de acionamento deve ser constantemente aplicada num eixo paralelo
ao eixo do cano.
Porém,
de nada adiantará flexionar corretamente o dedo indicador,
se essa ação não for feita de forma independente,
ou seja, sem produzir (transmitir, influenciar) alterações
na força que os demais dedos fazem no cabo da arma para
empunhá-la. Chegamos então à terceira premissa:
durante o acionamento só o dedo indicador aumenta a força;
os demais empunham a arma com força constante.
Cabe
lembrar, que quando o fundamento posição é
desenvolvido de forma correta (pelo exercício de posição
interior), os demais músculos do corpo também não
sofrem a influência do acionamento e nem “colaboram”
em momento algum com essa ação. É muito comum
ver atiradores que disparam até com o ombro, produzindo
movimentos espasmódicos quando, por qualquer motivo, o
tiro não ocorre dentro do tempo ideal.
Para
completar o nosso modelo mental, faz-se necessário lembrar
que o acionamento é executado de forma sincronizada com
os demais elementos, ocorrendo tudo dentro do tempo ideal. Esse
tempo é limitado pelo período que o SNC, sem uma
nova provisão de oxigênio, se mantém “funcionando”
de forma adequada à atividade do disparo. Como falei anteriormente,
esse tempo depende da modalidade praticada, mas nunca deve ultrapassar
o tempo de sete segundos. Após esse período, perdemos
a acuidade visual, a capacidade de concentração
e de atenção, com a conseqüente alteração
no controle da estabilidade do corpo, ocorrendo simultaneamente
o aumento do arco de movimento.
Para
que isso não ocorra, é necessário que a ação,
uma vez iniciada, não seja mais interrompida, ou seja,
a força de flexão é incrementada de forma
ininterrupta. Chegamos então à quarta premissa,
que junto com as demais compõem o nosso modelo mental para
o aprendizado do acionamento:
“A
força de flexão do dedo indicador deve ser aplicada
na intensidade necessária a vencer o peso do gatilho, num
eixo paralelo ao eixo do cano, de forma ininterrupta e independente
da ação dos demais músculos do corpo (só
o dedo do gatilho é que mexe), sincronizada com os demais
fundamentos do disparo, de forma a liberar o percussor no tempo
ideal de disparo para a modalidade.”
Uma
vez entendido o modelo mental, o atleta pode passar para a fase
de visualização da ação. A visualização
é muito importante para construir na sua mente a imagem
da ação modelo, que será utilizado como gabarito
na fase de aprendizado. Durante o exercício de visualização,
a repetição constante das premissas pelo técnico,
ajuda na construção da imagem correta do modelo
mental.
A
fase seguinte é a exercitação da ação,
inicialmente de forma lenta, criticando a ação e
comparando-a constantemente ao gabarito. Nessa fase, e apenas
nessa fase, o senso crítico é decisivo para o sucesso
do aprendizado. O atleta tem que ser capaz de verificar o quanto
a ação executada se aproxima do gabarito, buscando
torná-la cada vez mais igual ao seu modelo mental.
É
importante frisar que o próprio gabarito sofre evoluções
na medida em que o atleta vivencia a ação, principalmente
pela melhor compreensão (amadurecimento) das premissas
que norteiam o fundamento que está aprendendo.
O
exercício utilizado para aprendizagem e treinamento é
o mesmo, iniciando sempre com a arma apoiada. Para a formação
inicial dos atiradores nos clubes, pode-se inclusive, utilizar
carabinas de ar comprimido de baixo custo, que por não
permitirem o tiro em seco, podemos usar qualquer tipo de chumbinho,
apenas para manter a pressão positiva dentro do cano durante
a ação do êmbolo.
O
exercício consiste em executar o acionamento com a arma
apoiada e de olhos fechados, mantendo toda a atenção
e concentração na correta flexão do dedo
indicador, de forma a realizá-la conforme o modelo mental.
Durante
o exercício, o técnico auxilia repetindo verbalmente
as premissas, enquanto supervisiona visualmente a sua execução.
Nas armas que permitem o tiro em seco (sem munição),
a informação mais valiosa para o técnico
é a manutenção do padrão de movimento
da boca do cano (arco de movimento) durante todo o processo de
acionamento.
Para
que o atirador tenha uma referência do padrão de
qualidade da ação executada, utiliza-se o mesmo
alvo já preparado para o exercício de posição
interior; aquele com um círculo representando a zona de
visada.
Antes
de fechar os olhos, o atirador monta a figura da alça/massa
dentro do círculo. Executando o acionamento de forma correta,
ao abri-los, encontrará a figura alinhada e dentro do círculo.
Esse alvo de treino é usado tanto na fase apoiada como
na fase em que a arma é sustentada com a mão livre.
A
aprendizagem e o treinamento com os olhos fechados possibilitam
a formação do hábito de acionar, sem vinculá-lo
à imagem perfeita da figura de visada (alça+massa+alvo),
que como já foi dito, é um requisito desnecessário
e utópico.
É
muito comum encontrarmos atiradores que durante a execução
do processo do disparo, se "preocupam em acionar de forma
correta", ou seja, treinam acionamento no momento errado
e de forma errada. O problema se agrava quando isso ocorre nos
exercícios de verificação (testes e competições).
Durante
a execução do processo como um todo, o acionamento
correto é realizado de forma inconsciente, ou seja, a ação
é executada pelo cérebro sem nenhuma análise
crítica consciente. A simples transferência da atenção
para o acionamento, durante o processo do disparo, interrompe
a execução correta da ação, prejudicando
a fluidez do processo como um todo.
Portanto,
treinar acionamento não é atirar, assim como atirar
não é treinar. O atleta só deve executar
o processo completo, depois de aprender e treinar isoladamente
cada fundamento, fortificando igualmente todos os elos da corrente.
Lembrando
os ensinamentos do Mestre Silvino: o tiro deve surpreender o atirador.
No
Tiro Certo, você tem a sensação de que “alguém
atirou”. Sem dúvida foi você, mas sempre de
forma inconsciente.
Silvio
Aguiar
silvio.aguiar@gmail.com