Você
erra e o acionamento leva a culpa!
Hoje
me preparei para falar do próximo fundamento: a visada.
Mas resolvi antes disso, defender o “acionamento”
das falsas acusações que recaem sobre ele.
No
artigo anterior, lembramos inicialmente, que o processo do disparo
segue a “lei da corrente”. Vamos então falar
do grupo de atiradores que transferem para o elo “acionamento”
toda a fragilidade da sua corrente.
Fazem
parte de uma tribo que é categórica: a culpa dos
tiros fora do centro sempre é do acionamento. Parece até
o mordomo do tiro esportivo. É como se ele tivesse vida
própria, com autonomia para fazer e acontecer. São
excelentes atiradores em treino, porém nas competições
são traídos pelo tal do acionamento.
O
que ele (o ser desta tribo) esquece, é que o movimento
de flexão do dedo indicador, vulgarmente chamado de “acionamento”,
é uma ação motora executada por ele, e de
sua exclusiva responsabilidade.
Parando
para analisar a ação em si, ficamos espantados com
a sua simplicidade. Ela chega a ser ridícula quando comparada
com tantas outras ações que realizamos no nosso
dia a dia, e mais ainda, quando comparada com ações
motoras complexas praticadas em outros esportes.
Cá
entre nós, executar com o dedo indicador uma força
de “x” gramas, pressionando a tecla do gatilho de
forma ininterrupta, no eixo correto, flexionando o dedo de forma
independente do resto do corpo, não é realmente
fácil? Sem dúvida é muito fácil. Então
porque eles (não você) culpam o acionamento?
O
fato é que, ao “perceber” qualquer erro no
decorrer do processo de disparo, a providência imediata
do cérebro (agora sim: o meu, o seu ou do ser daquela tribo)
é interromper o acionamento, ou seja, parar (estancar)
ação de flexão do dedo indicador.
A
palavra “perceber”, na frase anterior, foi propositadamente
destacada entre aspas, para ressaltar o “perceber”
como a origem do problema. Na realidade, o erro não está
no acionamento, e sim em tentarmos reassumir (retomar) uma ação
interrompida pelo cérebro.
Vamos
então concentrar nossa análise no “perceber”.
O
atirador que inicia corretamente seu aprendizado treina os fundamentos
posição, empunhadura e acionamento de forma independente,
passando em seguida para o treinamento da visada e acompanhamento,
chegando ao estágio de treinamento do processo completo,
com todos os fundamentos corretamente aprendidos e fixados como
hábitos puros. Só assim, alcançará
o ápice do seu desenvolvimento técnico, executando
o disparo ou a série, como uma habilidade motora única
e autônoma.
Infelizmente,
poucos são os que começam certo. A maioria, desde
o início, treina atirando e, por conseguinte, compete treinando.
Ou seja, durante o treino tenta fazer o dez e durante a competição
tenta executar com perfeição cada fundamento. O
que tem alguma habilidade se destaca e, dependendo da “terra
de cego” em que vive, pode até chegar à seleção
nacional.
Temos
ainda o que começa certo, porém, com o passar do
tempo relaxa no treinamento dos fundamentos, muitas vezes por
entender que já está bom o suficiente e que treinar
fundamento é coisa de iniciante. Converge para a mesma
vala comum: passa a treinar tentando fazer o dez e a competir
tentando fazer cada fundamento com a perfeição,
só que agora, divina. Afinal de contas, ele já é
um Deus.
Temos
também aquele que por diversos motivos, cria uma expectativa
de resultado acima de suas possibilidades e tenta nos treinos,
fazer um número ainda maior de dez, e nas competições,
fazer com mais perfeição cada fundamento.
Não
podemos deixar de fora aquele que por não ter a correta
empunhadura física, torce levemente o pulso ou emprega
forças extras na empunhadura para manter a figura alça/massa
alinhada. Por serem fatores estranhos ao processo normal, tanto
os movimentos de correção, quanto as forças
extras geram o mesmo tipo de problema que os casos acima.
E
finalmente, temos aquele atirador que, na competição,
quer parar a arma, buscando a utópica figura de visada
com o a alça+massa+alvo, perfeitamente alinhados. Ou faz
força para contrapor o arco de movimento natural e parar
a arma, ou aguarda o tal momento mágico acontecer. Em ambos
os casos, produz erros de processo.
São
tipos aparentemente diferentes, porém, todos eles têm
um ponto em comum: na hora da execução do processo,
pensam, “percebem”. Percebem tudo que deveriam perceber
no treino, criticando na hora errada cada fundamento, cada segmento
do processo.
Essa
crítica inoportuna gera um “processamento consciente”
das ações que deveriam estar ocorrendo de forma
autônoma, impedindo assim a fluidez do processo. Esse processamento
fora de hora tem como conseqüência, o retardamento
ou a interrupção da flexão do dedo indicador
(ou ambos). Em qualquer dos casos, o tempo do processo ultrapassa
o tempo ideal de disparo determinado principalmente pelo nível
de dióxido de carbono (CO2) no organismo, prejudicando
de imediato as funções controladas pelo SNC.
Para
não perder a viagem, nosso “campeão”
assume o comando das ações, retoma o acionamento,
ativando a flexão do dedo indicador interrompida pelo cérebro,
tendo como resultado final da lambança um inevitável
tiro fora do centro.
Portanto,
antes de culpar o coitado do “acionamento”, mude de
tribo e assuma a sua responsabilidade pelos impactos fora do centro.
Esvazie
a sua xícara. Treine os fundamentos. Não fique feliz
por ter um olho e ser rei em terra de cego. Mire o recorde mundial
da sua modalidade e o tenha como seu objetivo maior. Saia da mesmice,
abandonando de vez a tribo dos que nunca erram e são sempre
vítimas do tal “acionamento”. Migre para a
Terra dos Campeões.