Eduardo Ferreira
(ferreiraedu@terra.com.br)

1927 a 1934 - O Tiro Esportivo sob a édige da CBD

1. Influência da Confederação Brasileira de Desportos
O vice-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, eleito em 1924, Major Ariovisto de Almeida Rego, assumiu a direção da CBD em 1920 e, com a morte do senador Mendes de Almeida, incorporou as atribuições do Comitê àquelas sob responsabilidade da Confederação. Entre os Jogos Olímpicos de 1924 e 1932, a função de organizar a participação brasileira nesses eventos ficou a cargo da CBD. A organização consistia em escolher os atletas indicados pelas federações, inscrevê-los junto ao Comitê Organizador dos jogos e conseguir verbas e apoio de qualquer tipo e origem.

O problema de obtenção de recursos era o grande desafio deste período. O deslocamento dos atletas até os locais dos jogos era caro e complexo, consumindo a quase totalidade dos recursos conseguidos. Em1928, por esta razão, o Brasil não participou dos Jogos de Amsterdã, na Holanda. Em conseqüência da baixa do preço do café, nossa principal fonte de divisas na época, não foi possível custear a participação da nossa equipe, como ocorreu nas duas olimpíadas anteriores.

O Correio da Manha, de 20 de março de 1928, publicou a seguinte nota anunciando que a equipe brasileira não iria participar dos jogos: “essa abstenção de nossos atletas aos Jogos Olímpicos de Amsterdã é motivada, segundo se tornou notório, pela recusa dos poderes públicos de auxiliar o custeio da representação brasileira – pela recusa dada sob fundamento de que a situação financeira do país não comportaria gastos dessa natureza”.

2. Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA)
Em 1927, a Confederação Brasileira de Desportos tomou a si o encargo de aglutinar todos os desportos terrestres, visando exercer um maior controle técnico-financeiro, proporcionando dessa maneira um apoio mais efetivo aos esportes amadores e olímpicos. Em todos os Estados e no Distrito Federal (Rio), foram criadas associações desportivas com a finalidade de expandir, divulgar e organizar os esportes.

Assim foi fundada a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos no Rio de Janeiro, capital do Distrito Federal. Graças à visão de uma comissão composta por influentes desportistas e atiradores: Dr. Benjamim de Oliveira Filho, Capitão João de Almeida e Thier de Faria, e tendo como consultor jurídico Dr. Afrânio Antônio da Costa, foi proposta e aceita pelos dirigentes da AMEA a sua filiação com a UIT, garantindo ao Tiro Nacional a mesma posição de destaque junto ao principal órgão internacional, obtida em 1924 quando a Federação Brasileira de Tiro se filiou àquela entidade.

A recém criada AMEA ficou encarregada de organizar e dirigir todos os esportes amadores do Distrito Federal e dando provas de sua capacidade, realizou um disputado Campeonato Carioca de Tiro, em outubro e novembro de 1927, com a participação dos seguintes clubes do Rio: Fluminense, S.Cristóvão, Flamengo, Vila Isabel, América e Bonsucesso. Como as provas foram programadas em três etapas sucessivas, o fato gerou algumas reclamações de alguns atiradores, pelo fato de que estavam acostumados com a disputa dos títulos em uma única prova. Ainda em dezembro desse mesmo ano, a CBD promoveu um campeonato brasileiro muito bem organizado, com atletas de quatro associações: DF, RJ, PR e RS.

3. 1927 - I Campeonato Brasileiro
Como ilustração, apresentaremos os resultados do I Campeonato Brasileiro, realizado no Fluminense e na Vila Militar:
a) Prova de fuzil de guerra – 3 x 20 – 300 metros
1º) Harvey Dias Vilella - DRF 435 (NRB)
2º) Norberto Schmidt - RS 408
3º) Capitão Dilermando de Assis – PR 407

b) Prova de revólver – 60 tiros – 50 metros
1º) Capitão Guilherme Paraense - DF 470
2º) Dr.Afrânio Antônio da Costa – DF 460
3º) Eugênio Caetano do Amaral – PR 440

c) Prova de pistola livre – 60 tiros – 50 metros
1º) Dr. Afrânio Antônio da Costa - DF 491 (NRB)
2º) Capitão Guilherme Paraense – DF 474
3º) Tenente Antônio Ferraz da Silveira DF – 465

Apesar dos campeonatos brasileiros terem sido promovidos pela CBD, a orientação, organização e direção técnica era feita por Afrânio, no Fluminense, onde eram disputadas as provas de arma curta e de “carabina reduzida”. A prova de fuzil era organizada pelo Capitão Dilermando de Assis na Vila Militar, campeão de tiro de fuzil, e que se tornou famoso com o célebre caso envolvendo o escritor Euclides da Cunha.

O Tiro, nesta época, era verdadeiramente um esporte amador, pois a CBD eventualmente fornecia passagens marítimas, de 2ª classe para os competidores competirem no Rio de Janeiro. Todos os demais gastos corriam por conta dos atiradores, sendo que as armas e munições deveriam ser adquiridas no exterior a altos custos.

As provas de tiro tinham uma duração muito maior do que as atuais, bem como o número de tiros de ensaio, cerca de 15, além disso o reduzido número de boxes (6) do FFC fazia com que as mesmas terminassem ao entardecer, após a longa e cansativa apuração dos alvos.

Além dessas considerações, Dr Antônio Martins Guimarães faz uma análise das provas disputadas neste período: “0 número de concorrentes foi aumentando consideravelmente, bem como o número de entidades participantes. A compra de algumas carabinas 22 suíças “Martinis” pelos atiradores cariocas, proporcionou uma acentuada melhora nos resultados das provas de carabina reduzida”.

A partir do momento que os atiradores paranaenses, gaúchos e mineiros conseguiram importar algumas pistolas 22 da Europa, igualaram-se aos cariocas, virtuais vencedores da modalidade de pistola livre, fazendo com que as provas tornassem mais disputadas e apresentassem um melhor índice técnico.

O quadro abaixo mostra a evolução do número de participantes, por modalidades, e o número de entidades participantes, nos quatro eventos nacionais realizados:

Anos Federações Fuzil de
Guerra Carabina
Reduzida Pistola
Livre Revólver
50 m
1927 4 12 11 11 13
1928 6 16 24 20 15
1929 6 15 29 16 20
1931 6 19 35 22 24

4. 1929 - III Campeonato Brasileiro
O jornal “A Noite”, presente ao encerramento do 3º Campeonato Brasileiro, produziu uma interessante matéria a respeito, de como eram realizadas as cerimônias de encerramento e premiações naquela época:

“Encerrando o Campeonato Brasileiro de Tiro, fez ontem à noite a Confederação Brasileira de Desportos realizou uma sessão solene para proclamação dos seus vencedores. O ato revestiu-se de magnífico esplendor, pois além de reunir a totalidade dos atiradores disputantes, também obteve a presença de algumas de suas famílias, dando assim maior realce a solenidade.

Presidida pelo presidente da entidade, Dr. Renato Pacheco, a sessão foi iniciada com ligeira exposição do ato feita pelo mesmo, que concedeu a inversão da ordem do dia, dando a palavra ao Dr. Afrânio Costa. O conhecido atirador em breve, mas expressiva alocução começou a apreciar o resultado advindo do 3º Campeonato entre seus vencedores e passou a enaltecer a cooperação geral que se tinha apresentado, quer da parte dos dirigentes da CBD, quer dos disputantes e da imprensa, que, sobretudo constituíram os maiores e melhores fatores do sucesso de que o mesmo se revestiu”.

Em seguida, Dr. Afrânio, em nome dos atiradores e dirigentes, faz a entrega de um estojo de viagem ao Dr. Renato, expressando a gratidão de todos atletas pelo apoio ao campeonato. O Presidente da CBD agradeceu a singela homenagem e comunicou aos atiradores a possibilidade de enviar a equipe brasileira de tiro às Olimpíadas Sul-Americanas de Montevidéu, previstas para maio de 1930. Falou que o Exmo. Sr Presidente da República – Dr. Washington Luís, estava inclinado a solicitar por mensagem, na abertura do Congresso do próximo ano, os créditos necessários para a participação brasileira naquela competição.

Dr. Afrânio enalteceu e agradeceu ao capitão Dilermando de Assis, campeão brasileiro e sul-americano de fuzil, pela “dedicação e devotamento à causa do tiro”, responsável pela organização das provas de fuzil de guerra na Vila Militar. Agradeceu, ainda, ao jornal A Noite, pela esplêndida cobertura do evento colocando o Tiro Esportivo Nacional no mais alto nível desportivo.

5. Novembro de 1931 - IV Campeonato Brasileiro – FFC e Vila Militar
Em face dos graves conflitos políticos que atingiram o País em 1930, com o Movimento Revolucionário que deu posse ao Presidente Getúlio Vargas, o Tiro teve as suas atividades desportivas interrompidas e o campeonato brasileiro previsto para aquele ano cancelado. Somente em 1931, as atividades foram normalizadas e foi realizado o IV Campeonato Brasileiro de Tiro, com os seguintes resultados:
a) Fuzil Livre – 3 X 20 – 300 metros
1º) Antônio Martins Guimarães: DF – 484 (RB)
2º) Harvey Dias Villea: DF – 482
3º) Armando Pereira Braga: DF – 446

b) Pistola Livre – 60 tiros – 50 metros
1º) Eugênio Caetano do Amaral: PR

c) Revólver – 60 tiros – 50 metros
1º Harvey Dias Villela: DF

d) Carabina Reduzida – 40 tiros em Pé – 50 metros
1º) Harvey Dias Villela: DF
Equipe campeã: AMEA

6. 1928 - Concurso Interestadual do Paraná
Em março de 1928, ocorreu um Concurso Interestadual realizado em Curitiba, no bairro do Cajuru, por idealização do Capitão Dilermando de Assis, que na época servia em Curitiba. Participaram do campeonato várias federações, tendo a AMEA vencido o evento. O destaque foi o recorde de pistola livre obtido por Afrânio Costa com 507 pontos.

Na reportagem que Dr. Afrânio concedeu ao jornal “República” de Curitiba, foi revelado o quadro político de incerteza vigente da época: “Após os Jogos Olympicos Sul-Americanos (1922), em que as representações nacionais de Tiro conquistaram victórias brilhantes sobre os argentinos, uruguaios e outras nações concorrentes, houve um grande desânimo no Tiro Nacional, provocado principalmente pela continua commoção interna de que agitava o Brasil até a pouco, com innumeras revoluções desenvolvidas no sul do Paia.”


por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação do DF, ex presidente das federações do RJ e CE, e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma Longa" e "História do Tiro"
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